Caro
Rodrigo,
Escrevo-te pela necessidade imensa de compartilhar o apreço que sinto
pela sua expressão através das palavras, e posteriormente explico os motivos.
Eu venho passando por um estágio bem difícil da minha vida. Estou tendo que
aprender, cedo demais, a amenizar conflitos interiores que muitas vezes me
consomem inteira. Aprender a conciliar ideologia com prática de vida, o que
acaba gerando questionamentos bem intensos e não sei você, mas eu sou bem
intensa e quando se trata das temáticas sociais isso se agrava um pouco. O
mundo que diversas vezes me destrói é o mesmo que me mostra o quão simples a
vida pode ser, o quão linda é a simplicidade com que as melhores coisas
acontecem. Entretanto, ultimamente, para ser mais exata nestes últimos 3 meses,
eu tenho sido levada a deixar de lado, devido à falta de tempo, tudo o que faz
de mim quem eu sou, seja Lispector, seja Pink Floyd, seja Marx, seja a
fotografia. Crises existenciais nunca foram para mim um acontecimento estranho,
assim como nunca foram tão acentuadas como agora, mas não se mostram um
problema, porque sinto que de todas as “crises” eu saio mais compreensiva para
com o mundo em que vivo. O que me incomoda é que essas crises me derrotam de
verdade, é um sentimento de agonia, de desespero, de súplica interna, de
aperto, o gosto amargo e os olhos
umedecidos, sensação que aparenta nunca mais passar, e nessas horas o que eu
faço para me salvar? Eu leio Clarice, porque assim como ela eu preciso pertencer à algo e
lendo-a eu a pertenço, e escrevendo para você eu pertenço a você. Descobri há
algum tempo porque Lispector é a mulher da minha vida: é pelo fato de que eu,
assim como ela, preciso dos outros. Preciso dos outros para me achar um pouco
mais suportável. E preciso que os outros tentem me consertar, sim consertar,
porque eu me sinto pura matéria orgânica estranha no mundo e ao mundo. Mas,
além disso, eu preciso dos outros para dizer a eles que eu, assim como Clarice,
vos amo... Sim, eu vos amo antes mesmo de conhecê – los, e vos amo pela possibilidade
de conhecê – los, vos amo por serem o que eu não posso ou consigo ser:
possíveis. E eu preciso de coisas possíveis e palpáveis ao me redor, preciso de
felicidade mansa, mas não concreta, porque estar feliz não pode se tornar
rotineiro, tem que ser esplêndido. Eu tenho que me sentir esplêndida através dos
outros, que são possíveis.
Eu sinto como se o meu processo de “amadurecimento”
tivesse ocorrido muito precocemente, visto que foi muito cedo que eu deixei de
acreditar em deus, muito cedo que eu comecei a ler Marx e me frustrar por
entender as engrenagens da sociedade, muito cedo que eu li Nietzsche, muito
cedo que tive contato com a literatura densa de Dostoiévski, que decidi
acreditar na humanidade e por isso ás vezes me encontro extremamente decepcionada.
Foi muito cedo que eu comecei a perceber o quão injusta são as relações humanas
e em quais princípios elas se baseiam, mas também foi cedo que eu aprendi a
fazer de um simples “Bom dia!” motivo para que o resto do dia valesse a pena,
porque são por essas pessoas que eu luto, são essas pessoas cuja simplicidade
ultrapassa os interesses pessoais que me fazem acreditar no ser humano como uma
das figuras mais complexas, e lindas em toda sua complexidade, que existe.
E Rodrigo, atualmente quando eu
leio um texto teu eu sinto uma coisa que considero tão importante quanto a
felicidade, ás vezes até mais: a calmaria. Aquela que chega e coloca tudo no
lugar, que desfaz o emaranhado de perguntas e ameniza a confusão. É quase o que
sinto com Clarice, com a diferença de que Lispector me cura e você me revive.
Desde que leio os teus escritos meu riso é mais largo. É nas suas palavras que
embora pareçam simples guardam uma complexidade enorme que eu começo a entender
um pouco mais da minha própria complexidade. “Reminiscências de possibilidades
à margem, que me acenam nostálgicas. Parecem compreender, não se ofendem.
Sorriem seus sorrisos mais carinhosos de adeus, de até mais ver.” Tua
poesia me dá a possibilidade de mergulhar em mim mesma sem me preocupar com o
caminho de volta. Tua poesia pede o que eu desejo tanto pedir aos outros, que: “não
tome o meu silêncio como descaso. Não o tome, tampouco, por um
confortável não-saber.” Os seus versos guardam sorrisos, rogam por chuvas
que iluminem nossos vãos, que tracem caminhos, que nos deixem fluir... Mostram
as dúvidas que temos, mas não conseguimos solucionar. Por isso quando você se
perguntar por que ainda mantêm o seu blog lembre-se que eu agradeço pelo pouco
(ou muito) do seu ser que se expressa em cada uma das tuas palavras.
Eu ainda estou (e acho que sempre
estarei) em processo de aprendizado com relação à complexidade do meu ser, mas
por hora posso apenas reforçar o que Clarice já dizia: “Sou ajudada pela mera
presença de uma pessoa vivendo. Sou ajudada pela saudade mansa e dolorida de
quem eu amei. E sou ajudada pela minha própria respiração. E há momentos de
riso ou de sorriso. De alegria, a mais alta.”
Muito obrigada pela vinda ao meu
cantinho, que também não tem muitas visitas, mas que eu ainda mantenho por mim
mesma, e muito, mas muito obrigada pelo que escreves meu caro Rodrigo. E como
já diria Pedro Bloch: “Completo lembra realizado. Realizado é acabado. Acabado é
o que não se renova a cada instante da vida e do mundo. Eu vivo me completando
nos outros, mas falta um bocado”.
Abraços, meu querido Rodrigo.